O lago paira no ar
O lago paira no ar
Para Théo e Vincent, uma ilha
I
o mar aqui não é o mar
o mar são as pessoas
as que me cercam
que conheço, desconheço
finjo não conhecer
o mar são elas
e minha mensagem não tem destino CLARO
tem objetivo, tenta ter sentido
e o sabor refinado para raros paladares
a ilha que eu sou
não se vê como se reflete
que dor essa de náufrago em mim!
onde foi parar minha caravela
seus restos, vejo-os aqui, e como dói recompô-los
um cão numa aquarela Turner de manhã
um cão-eu, ilha-eu, náufrago-eu, tudo e nada
EU
eu-pessoa, eu-não-pessoa, eu-coisa
eu-coletivo, eu-todo, eu-caco
eu-só, eu-resto, eu-sobra
eu
eu-labirinto, eu-míope, eu-carne
eu-vasto, eu-torpe, eu-Eu.
II
As solidões, fiéis companheiras
– éguas lanhadas e sem dentes
pisando meus desejos –
elas, a própria carta triste de Van Gogh
para Théo e para Deus.
Solidões – plural – várias, distintas
conheço-as pelo som dos cascos na asa sul
em meu pasto a procriar.
Pelas tesourinhas, pelo monumental eixo
daquilo que não tem eixo: minha vida.
Como é terrível estar acompanhado não estando.
Minha garrafa ainda vazia
aguarda a mensagem não escrita
mas tão claramente estampada nos meus olhos
olhos bucaneiros, olhos barba-roxa
olhos marginais de um mar revolto
olhar pirata de um lago que paira no ar.
O mar são eles e elas
a ilha que eu sou afunda lentamente.
a imagem da tormenta configura-se,
concretiza-se, cristaliza-se
eu-tufão, eu-tempestade, eu-tsunami.
Meu Deus, e o amor?
essa substância estranha que permeia minha carne.
Será ele, o amor, minha mensagem
ou o medo entranhado, ele sim, majestoso e imponente,
significa o que de real existe em minhas praias privativas?
Não sei de onde sou, onde estou
meu eu-arquipélago.
Não aprendi essa difícil geografia
não entendo seus mapas
não me adianta bússola.
Estou perdido
e o mar de gente ameaça a plantação
tão duramente cultivada
nessa fértil ilha-eu.
Leonardo Almeida Filho, poeta paraibano, nasceu em Campina Grande.
Transcrito da Antologia “Poemas para Brasília”, de Joanyr de Oliveira.